Cultura

Não me Toque!

Os americanos são mesmo mais objetivos, diretos e frios?

Ao contrário da cultura brasileira, caracterizada pela sociabilidade, ambiguidade e subjetivismo nas relações interpessoais, a cultura norte-americana valoriza o individualismo e o objetivismo, além de um estilo de comunicação fundamentado na claridade e sinceridade. Dizer o que se pensa sem rodeios, encarar os assuntos de frente e criar um clima de transparência nos relacionamentos são fatores elementares na sociedade americana. Aprecio muito e, até mesmo prefiro, o estilo de comunicação mais direto e objetivo dos americanos, que facilita os negócios e a vida em geral. Entretanto, após mais de uma década morando nos Estados Unidos, uma coisa ainda é difícil para eu me acostumar: a frieza do americano em relação ao toque.

Quando o assunto é a proximidade física, os americanos mantêm uma certa distância da outra pessoa, já que o “personal space” deve ser respeitado. Por mais que eu entenda e respeite as diferenças culturais, tenho que me controlar a todo instante para não invadir o “espaço alheio” do americano.

Como a maioria dos brasileiros, cresci em uma família grande, cercada de irmãs, primos, tios e avós, onde todos se beijam, abraçam, apertam bochechas e acariciam as cabeças das crianças. Para mim, o toque de pele é algo natural, quase uma necessidade pessoal. Quando encontro algum conhecido, sem perceber já estou tocando o braço da pessoa e a cumprimentando com beijinho. Quando vejo um bebê fofinho, no colo de sua mãe, meu primeiro impulso é o de tocar na sua cabecinha ou mexer em seus pesinhos miúdos. Entretanto, o toque de pele é considerado algo íntimo para os americanos e sair por aí tocando estranhos, não pega muito bem. Já ouvi muito americano dizer que não gosta que passem a mão na cabeça de seus filhos, já que seus pimpolhos não são animais de estimação para serem acariciados.

Quando meu filho tinha 4 anos, sua professora de pré-escola me disse que estava ensinando-o a “respeitar o espaço alheio”, já que meu filho tinha o costume de abraçar os amiguinhos da classe. Felizmente os esforços da professora foram em vão e o meu filho, que agora está no “kindergarten”, continua um garoto sociável que toca e abraça aqueles que considera seus melhores amigos. Mas o incidente com a professora da pré-escola me fez refletir sobre o significado e importância do toque.

Ao estender minha mão e tocar outra, demonstro ternura e o desejo de conectar-me com alguém. Quando meus dedos dançam em uma suave coreografia, compartilho o meu carinho na forma de um cafuné. Quando seguro meu filho pela mão, busco protegê-lo dos perigos e guiá-lo numa aventura pelo mundo. Quando estendo minha mão para auxiliar uma pessoa idosa, demonstro meu respeito e a vontade de lhe retribuir tudo o que ela provavelmente fez aos outros.

Não importa qual a idade ou estágio da vida, todos nós necessitamos de contato humano, da sensibilidade e dos cuidados que nos mostram que não estamos sozinhos. Sem o calor do contato humano, que nos acalma e nos uni, nos é negado um dos meios mais vitais de comunicação: de dar e receber.

Em um mundo inundado pelo ódio e pela discórdia, onde povos fazem guerras por terras, religiões e ideologias, é necessário estendermos a mão ao semelhante e buscarmos o toque de trégua.

 

Carol Freire

Carol Freire é escritora e mora há 11 anos na região da Baía de São Francisco, Califórnia. Seu romance de estreia "Além das Fronteiras" foi inspirado em sua vivência no exterior, e aborda temas como multiculturalismo e identidade cultural. O livro está disponível em português para leitores nos EUA, Europa e Brasil, através da Amazon e sites das principais livrarias. Para saber mais sobre a autora, visite http://www.carolfreire.com e seu blog http://blog.carolfreire.com. Para contactá-la, envie e-mail para contato@carolfreire.com

Inscrever-se
Notificar de
guest

Moderação de comentário está ativada. Seu comentário pode demorar algum tempo para aparecer.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.

10 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
carlos
carlos
11 anos atrás

mas fico a imaginar oque seria viver num país com uma cultura tão diferente da nossa ???

carlos
carlos
11 anos atrás

parabens pelo artigo carol .reflete bem oq eu pensava ou penso sobre eles .

um Brasileiro
um Brasileiro
11 anos atrás

Os americanos e os europeus não são “frios” ou “racionais demais”. Eles são éticos. E por eles serem éticos convivem agradavelmente em suas sociedades, que é o inverso da brasileira. E a “espontaneidade”, a “vivacidade” e a “emoção” nestes países estão sob o controle da Ética. Tudo demais causa danos e o Brasil está pagando caro pelo seu estilo hedonista descontrolado.

ELAINE
ELAINE
11 anos atrás

Sabe o que eu acho, é que americanos não são frios, mas apenas racionais demais, eles usam mais a razão e nós brasileiros mais a emoção.Esta questão levantada sobre que eles fazem tudo na hora certa é bom ser assim, mas me soa algo muito mecânico, programado, sabe tipo um robô.Usar a razão é bom, mas a emoção faz parte de nossa vida, sabe rir alto, brincar no trabalho, fazer carinho em uma criança.Nós brasileiros não aguentamos uma vida assim.Claro que tem muita coisa errada e feia que brasileiro faz, mas não devemos perder nossa espôntaneidade, vivacidade e emoção.

Tatiane
Tatiane
12 anos atrás

Quanto a afetividade é algo relativo, tipo pelo pouco contato que tive os árabes me parecem muito mais afetivos que os brasileiros, a questão é que em público é separado por gêneros, homens árabes costumam abraçar, beijar no rosto, andar de mãos dadas com seus amigos e o mesmo acontece entre as amigas, já o contato entre um homem e uma mulher que são conhecidos é mínimo, um aperto de mão..isso sem contar que se encontram com alguém que não veem há um bom tempo é capaz de ficarem uma hora abraçando, beijando, conversando, gesticulando etc. Enfim, cada um com… Leia mais »

carioca
carioca
12 anos atrás

Repeito, mas lamento pelo comentário de “um brasileiro”. Claro que temos problemas aqui, muitos deles frutos de uma trajetória histórica que os fez estruturais e difíceis de mudar, mas a que “harmonia social” ele se refere? Será a dos Estados Unidos, onde nos anos 60 ainda havia uma espécie de apartheid no Sul? Onde, em alguns estados, a proibição de casamentos inter raciais durou até os anos 80? Onde as chacinas sem motivo aparente são extremamente comuns? Já trabalhei com americanos e não os considero mais profissionais do que nós. Sabe o que acho? Este tipo de atitude, esta visão… Leia mais »

Sonia
Sonia
12 anos atrás

Olha, eu adorei o artigo!! Parabens! Eu pensei q era so eu quem havia sofrido com a “transculturação”. Morei nos USA e UK e sofri muito esta falta do “toque” e atualmente moro na Australia e os australianos sao bem mais parecidos com os brasileiros. Eles, na grande maioria, são alegres, comunicativos, faceis de fazer amizades e sao very touchy etc. Tenho uma irma que mora nos Estados Unidos a mais de 20 anos e ela ja perdeu o jeito brasileiro de ser. Infelizmente, ela esta irreconhecivel e antipatica! Well well!

um Brasileiro
um Brasileiro
12 anos atrás

Uma outra observação: tudo indica que o americano ou o europeu são mais moderados e éticos. Eles sabem a hora, o tempo de tudo, ou seja, hora de brincar e trabalhar; falar e ficar quieto; fazer churrasco e estudar, assim por diante. O brasileiro é o contrário: todo tempo é brincadeiras e jogar conversa fora; bate papo nas esquinas até altas horas da noite, perturbando a ordem pública, como ocorreu ontem aqui perto de minha casa; bebedeiras, aglomerações nas ruas com latinhas de bebida alcoólicas nas mãos e afins. E detestam serem chamados a atenção, como sempre. Indicado que não… Leia mais »

um Brasileiro
um Brasileiro
12 anos atrás

Boa observação. Porém, com todos os toques, abraços, beijos, confraternizações, etc. promovidos pelo indivíduo brasileiro, ainda assim, a nação brasileira convive em um péssimo estado de harmonia social, não deveria ser o contrário? Não é um paradoxo? Pois, pela regra, o povo que compartilha amor e sensibilidades familiares e fraternais não deveria viver em uma harmonia social coerente? Entretanto, não é o que vemos no Brasil e até mesmo no exterior, pois há cidadãos que saem do Brasil para assassinar um outro em terras distantes. Mas, o americano ou o europeu possuem a sua maneira particular de viver e parece… Leia mais »

10
0
Adoraria saber sua opinião, comente.x