Por um Novo Sujeito – Parte 2
A arte tem um papel privilegiado na nossa vida. É um mundo mais belo, denso, profundo, complexo e articulado do que a ciência, sempre pretensiosa e inacessível à maioria. Por isso, se queremos respostas, a arte, quase sempre, pode nos ajudar mais que tudo.
Aqui vou lançar o exemplo da música para continuar em nosso tema anterior, onde proponho uma nova postura, a do sujeito reflexivo, diante dos desafios do trauma que a Era Moderna nos impõe. Você conhece esta música do Legião Urbana?: “Quando o sol/ bater/ na janela/ do seu quarto…”
O grupo é conhecido e bastante pop, apesar da complexidade das letras de Renato Russo. Num outro trecho da mesma canção ele canta: “tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentimos dor“.
Neste ponto é que quero fazer um duo com ele. Não na canção, mas em sua teoria. Já falamos da explosão de desejos que a Modernidade nos impõe e este sentimento é originalmente confuso, pois se origina de duas substâncias simples, mas incompatíveis: o corpo e a mente.
A idéia acima é de Descartes, apresentada no texto Tratado das paixões da alma. Sua intenção é mostrar que, como dificilmente entenderemos o desejo, estaremos sempre expostos à ambivalência e a falta de uma solução para nós mesmos.
Renato Russo parece ter sido um exemplo disso. Apesar de aparentemente saber o caminho e de ser um sujeito altamente reflexivo, ele sofreu e sentiu muita dor exatamente pelo que apontou, ou seja, por desejar não sentir dor.
Isso acontece pois o desejo nos coloca numa posição difícil: a da passividade frente ao dinamismo das coisas. Aqui está nosso ponto central: estamos apassivados frente ao impacto de coisas que excedem em muito nossa capacidade de domínio e, por isso, de enfrentamento.
Podemos dizer que a questão não se refere apenas à falta de domínio prático das coisas, o que suscita hoje grande esforço da medicina, da psicologia e da filosofia, sempre em busca de separar e conhecer ao máximo o corpo e a mente. Mas há um outro domínio distante: o simbólico.
Construir uma postura ativa e dinâmica frente aos desafios da Modernidade não é tarefa fácil, mas pode ser promovida por sujeitos com capacidade de reflexão sobre suas vidas. Este é um caminho apoiado pela psicanálise e que não exclui ninguém da tarefa de refletir sobre si para poder agir no seu sofrimento.
Muitos se queixam que o sol não bate na janela do seu quarto, mas, como Renato Russo, fazem parte de uma legião urbana que precisa querer agir sobre si mais do que simplesmente cantar e cantar e cantar e só perder a vergonha de ser feliz na canção.
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